A verdadeira viagem da descoberta
consiste não em buscar novas paisagens,
mas em ter olhos novos.
Marcel Proust
Cada vez que inicio um trabalho novo, certos gestos e procedimentos são recorrentes, e exigem envolvimentos e atravessamentos, pois o processo não é direto, mas indireto, como é o caso da gravura. São sempre novas experiências, embora o processo seja o mesmo, mas são outras formas de interação com o mesmo, para poder instaurar o outro nas imagens produzidas.
Em junho de 2015 fiz, pela primeira vez, uma viagem para Manaus, AM, e, nessa ocasião tive a oportunidade de realizar uma travessia de barco no Rio Negro, além de fazer uma trilha guiada na selva amazônica. Nesse deslocamento, o movimento das águas, assim como o andar pela mata, instigou-me a capturar, com uma câmara digital, uma série de imagens que foram, posteriormente, transferidas para placas de cobre, gravadas e impressas sobre papel. Percebo que, a fotografia, cada vez mais, faz parte de minha produção artística, pois seu procedimentos permitem acionar esse recurso indicial para capturar imagens, tornando permanentes certos instantes efêmeros.
A produção desses trabalhos implica na hibridização de meios que são transferidos e operados digitalmente para ressaltar aspectos de contrastes de luz e sombra presentes na fotografia, aspectos igualmente, importantes para a gravação das matrizes de metal. Os trabalhos são provenientes de procedimentos de transferência e percebo que, nesse processo migratório, as imagens gravadas adquirem granulações dos procedimentos da gravação com água tinta, que transitam entre levezas e densidades que, por sua vez, reforçam os contrastes de luz e sombra dos aspectos indiciários da fotografia.
Nesse fluxo contínuo entre o ir e o vir do meu processo de criação, os procedimentos empregados envolvem o desdobramento de meios analógicos e digitais. Gradativamente, me aproprio de meios tecnológicos e, nessa diversidade de processos de processos de interação e mediação, são geradas significativas mudanças também nas formas tradicionais de produção das gravuras. Portanto, quando escolho determinados meios e materiais, defronto-me com a matéria e seus princípios intrínsecos, e também com os questionamentos inerentes às suas materialidades e códigos que irão repercutir na visualidade dos trabalhos. Nesse movimento, de interfaces operadas por meios e linguagens, em suas especificidades e deslocamentos, as imagens ora, em suas aproximações com a semelhança suscitam, também, essa dessemelhança, a percepção do outro, de novas imagens. Ora são as palavras que atestam algo oculto, remetem para uma presença não percebida apenas por olhar efêmero, permitindo compartilhar significados outros, e neste sentido que, de acordo com Rancière (2012), a verdadeira imagem se distingue do simulacro, reencontrando na semelhança da mesma, a arquissemelhança.