Concentrações

Data: 13/12/00 a 18/02/2001
Local: Museu Victor Meirelles
Florianópolis – SC

 

“[…] o centro é a imagem dos opostos, ele deve ser  concebido  com um foco de intensidade dinâmica. É o lugar de condensação de forças opostas, o lugar da mais concentrada das energias. É exatamente o contrário da centralização dos opostos ou do equilíbrio dos complementares. É o foco de onde partem o movimento da unidade, do interior em direção ao exterior, do não manifestado para o manifestado, do eterno para o temporal, todos os processos de emanação e de divergência, e onde se reúnem, como em seu princípio, todos os processos de retorno e de convergência em sua busca da unidade”. (Chevalier)

 

TRAJETÓRIA PESSOAL:

A partir de 1970 acontecem os primeiros ensaios xilográficos, iniciando a paixão pelas suas possibilidades formais e expressivas. Na década de 80, inicio a pesquisa técnica da matriz- perdida ou também chamada processo de eliminação de cores e, com o aprofundamento deste procedimento técnico, inicio a série “Diálogos”. Nesta série, os questionamentos em relação ao ser ficam cada vez mais visíveis na elaboração simbólica das imagens.

Entre 1987 a 1990 as imagens gráficas aprofundam as minhas inquietações em relação aos ciclos duais, do visível e do invisível, do interno e do externo. No período de 1989 e 1990 pesquiso simultaneamente a eletrografia com as imagens da xilogravura, no intuito de viabilizar o uso criativo de um instrumento de reprodução mecânica. Ao mesmo tempo, trabalho com a pintura, pela gestualidade direta, propiciando uma transformação  no processo de gravação e impressão da gravura. Começo a “pintar” com as matrizes através da sua impressão em “camadas” sobrepostas. Nessas relações paradoxais entre o dentro e o fora, entre o sim e o não, a cor revela-se como fundamental na construção das imagens, resultando na série “Oposições Polares”

Neste sentido, constato que a criação acontece através do envolvimento dialético com a matéria, transformando tanto o criador quanto o criado. Descubro nas especificidades de cada matéria, (madeira/tinta/papel), as suas materialidades visíveis e invisíveis.

Segundo Bachelard, a gravura é uma intervenção essencial do homem no mundo, o gravador nos fornece testes de vontade, de reconstruir os seres do mundo no máximo de sua grandeza, acompanhando os valores estéticos e psicológicos. Pois a gravura possui uma temporalidade especial, movimenta-se num tempo que não conhece lentidão e moleza. Seus simples movimentos emanam fontes de vitalidade. Na gravura, o menor traço nunca é um preguiçoso contorno, ou um simples perfil, nunca é uma forma imobilizada. O menor traço já é uma trajetória, já é um movimento, um movimento sem hesitação ou retoque. Ela é feita de movimentos primitivos, de movimentos confiantes, completos, seguros.

Nestes inter-relacionamentos, remeto-me aos resíduos de memória. Encontro a essência do que foi incorporado desde “sempre”, revelando-se no gesto, na ação, nas escolhas, enfim nas sínteses os entendimentos do viver, onde os espaços e os tempos fluem e refluem, constroem e desconstroem para novamente serem reconstruídos. Nos entrelaçamentos, signos são deslocados das regiões profundas do ser, para poder significar, simbolizar. Nas imagens das gravuras, a coexistência de matérias desvela tempos e espaços que se tocam, deixando marcas e forças vivas, possibilitando a transposição poética das próprias experiências.

As gravuras que ora apresento, concentram-se na busca pelo movimento em torno do centro. É um ritual para encontrar o próprio centro, não  um centro ocidental, geométrico, mas um centro simbólico,  num desejo profundo para que o sagrado se  materialize. Citando o mito de Jonas, o qual é engolido pela baleia: no ventre ele repousa e se alimenta, se prepara para renascer. No entanto esta metáfora nos permite refletir sobre as descobertas das imagens mais profundas que se revelam no “centro” do próprio ser… no próprio ventre.

Percebo cada vez mais nas minhas gravuras, que não é uma questão racional e nem de vontade de representar esta ou aquela imagem, mas é um processo imagético individual que se expressa simbólicamente nas imagens e que constantemente se redimensionam para novas sínteses.  E então pergunto: é preciso que as imagens das gravuras tenham alguma similitude com o qual o pensamento pode examinar, comparar e avaliar?  Acredito que sim, mas nem sempre com uma realidade reconhecível, mas que me permitam discutir as “semelhanças” simbólicas que se tornaram visíveis nas imagens. Nas imagens das gravuras se reencontram a concepção de uma dimensão cósmica, isto é, significações que estão além da mera reprodutibilidade técnica e associação de materiais. Através das gravuras reconstrói-se um novo ser dialético, onde a “forma” possui tanto a função visível quanto invisível. Pode-se dizer que o imaginário não gera apenas formas, mas valores e qualidades que desvelam a sensibilidade poética do ser.

PICASSO nos diz: “Quando se começa a pintar, muitas vezes surgem efeitos bonitos. Mas cuidado! Destrua a imagem; recrie-a várias vezes. Cada vez que o artista destrói uma descoberta, na verdade, ele não a suprime, mas antes, a transforma, a condensa, tornando-a mais substancial. O que no final resultará é o produto de descobertas rejeitadas. De outro modo o artista só se tornaria um `connoisseur’ da própria obra”.

 

Lurdi Blauth

Dezembro 2000