Sobre a série Sílex
Ao longo de minha produção com a xilogravura percebo a importância das relações opostas que estruturam a visualidade das imagens através de áreas gravadas e não gravadas, de vazios e cheios. A série Silex, – cujas imagens remetem aos pré-instrumentos, das pontas de silex utilizadas pelo homem primitivo -, embora os princípios de gravar, imprimir e reproduzir, inerentes aos processos da gravura ainda estejam presentes, esses se deslocam para o uso do fogo como instrumento para provocar esvaziamentos na matriz. A partir daí, as imagens não se configuram mais nos aspectos determinantes da rigidez técnica de reprodução, ao contrário, é um processo sempre em devir, no qual os acasos são incorporados enquanto imagem, não como algo aleatório e vago, mas ativados pelo gesto de queimar.
A matriz ao ser queimada, transforma-se progressivamente pela perda de matéria, na qual permanecem vestígios dessa eliminação. Essa passagem ocasiona a transformação pela negação, explicitando, na sua reversibilidade, a presença de uma matéria ausente, as marcas de esvaziamentos. Nesse percurso, a impressão física evoca dois sentidos: ao mesmo tempo em que é o lugar onde se forma a imagem por semelhança, também provocará o desaparecimento dessa semelhança primeira, sinalizando um vir a ser, um caminho anterior, evocando talvez a memória do estado primordial da gravura.
Lurdi Blauth, 2005
Luas negras
Esses trabalhos são constituídos por 19 módulos de parafina, de 14 x 14 x 2,5 cm, dispostos no sentido vertical, do chão ao teto; estes blocos são apoiados individualmente sobre estruturas de ferro. Porém, um dos módulos é apresentado deslocado em 50cm, no lado esquerdo da coluna, um pouco abaixo do centro, gerando uma certa instabilidade.
As Luas Negras surgem a partir dos resíduos das cinzas de matrizes queimadas, apresentando uma certa ausência de marcas dos gestos incisivos de gravação. Nesse esvaziamento de qualquer interferência proposital emergem nas colorações de pretos e de cinzas densos e neutros, um estado entre o branco e o preto, um retorno às cinzas, aos resíduos da matéria. São ausências e presenças imobilizadas e condensadas em uma matéria. Poderíamos dizer que a densidade da coloração cinza adquirida nos blocos de parafina é matéria neutra e monocromática, porém, abrindo-se para novas marcas ou inscrições.
Assim, de um lado, é enfatizada a presença da matéria na sua densidade e, de outro, a matéria translúcida da parafina é afetada pela opacidade dos restos de carbono e das microgranulações da matéria negra dos pigmentos. A matéria é imobilizada nela mesma, e o vazio e o cheio dos meios gráficos, são densos e plenos, ultrapassam a sua própria dualidade. Nessa operação, os vazios e os cheios do ato de gravar é deslocada, para evocar uma outra topologia, já que desaparece o gesto individual, embora cada bloco de parafina produza as marcas singulares de sua diferença. É nesse estado indeterminado das matérias que a ausência e a presença, o positivo e o negativo se reconciliam e se condensam nos cinzas negros e densos das imagens. Gradativamente, emergem duplicados os pontos vazios de uma luz negra e silenciosa das queimadas.
Lurdi Blauth, 2005.